Fan-fictions inspiradas na série Anita Blake – Vampire Hunter, de Laurell K. Hamilton.
*As fan fics aqui publicadas visam apenas o entretenimento, sem nenhum lucro financeiro.
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Primeira Fan Fic:
"Blake Meets Winchester"
Sinopse: Anita Blake tem uma pequena surpresa em uma de suas aventuras... Ou seriam os irmãos Winchester que se surpreenderão mais esbarrando com a caçadora de vampiros n.1 do Missouri?
- Confira aqui a primeira fic: Blake Meets Winchester
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Segunda Fan-Fic:
Por Dentro dos Prazeres
1
Escrita em 2009, atualizada em 2013.
Certo, eu estava nervosa.
Não que eu não devesse estar, afinal eram vampiros e tudo
mais.
Contudo, era estranho.
Se eu não estivesse precisando desse emprego, jamais pisaria
no Distrito. Mas por indicação de uma amiga, assídua frequentadora, eu iria
trabalhar como bartender na boate do
momento em St. Louis: Prazeres Malditos.
Lilly, minha amiga em questão, havia feito uma boa
propaganda de mim no lugar, dizendo que eu tinha grande talento no preparo de
bebidas e o clube gostava de coisas... Surpreendentes.
Modéstia à parte, eu era uma especialista em bebidas.
Conseguira trabalhar em grandes casa de eventos, mas nada como isso. Lilly
dissera que me daria status no ramo. Trabalhar para um vampiro realmente
parecia algo que desse status. E eu conhecia a legislação, sabia que eles
jamais me atacariam sem meu consentimento. Era apenas uma questão de
auto-controle e força de vontade. Isso eu tinha de sobra.
Todavia, eu ainda não encontrara aquele seria meu chefe, não
pessoalmente. Lilly arranjara tudo. Até agora ela não me explicara o que fizera
para conseguir essa oportunidade. Ela apenas balbuciava algo como “contatos” e
“comunicação” quando eu perguntava, mas fiquei ligeiramente ressabiada.
Só aceitei porque Lilly sempre foi uma grande amiga. Nos
conhecíamos desde os tempos de escola. Supus que isso deveria lhe creditar
confiança. Até então, ela jamais teria me metido em enrascadas.
Eu quis saber detalhes sobre o tal vampiro proprietário da
Prazeres Malditos. Tudo o que eu sabia era o que corria na imprensa, como que
ele se chamava Jean-Claude e era o Vampiro-Mestre da cidade.
Curiosamente,
Lilly mal conseguira descrevê-lo, tendo ela mesma já o tendo visto inúmeras
vezes. Apenas repetia adjetivos que não me diziam nada, como “fabuloso”,
“incrível”, “sexy”. Eu concluíra que ele devia ser, no mínimo, muito bonito.
Enfim, eu estava basicamente preparada. Nada de contato
visual, somente responder as perguntas e lembrar que era tudo ilusão: eles
continuavam sendo cadáveres em putrefação. As dicas tinham sido extraídas de um
artigo recentemente publicado pelo Post-Dispatch.
A executora de vampiros oficial do Missouri, a Srta. Anita Blake, dera uma
entrevista falando sobre o aumento da criminalidade entre os vampiros. Dissera
que era sempre bom ter algo de prata à mão para distraí-los enquanto você corre
e chama a polícia. Eu sabia que a pena era a morte. Vampiros não pareciam
querer morrer, ou não seriam vampiros. Não se arriscariam por quebrar regras ou
infringir leis. A Srta. Blake explicara que vampiros legalizados e socializados
davam tudo para permanecer assim, contudo, haviam sempre as exceções.
Bem, sendo o tal Jean-Claude o Vampiro-Mestre, eu duvidava
que ele se arriscaria. Os rumores davam conta que era um vampiro muito
diplomata. Eu contava com isso.
Lilly me avisara para chegar pelo menos uma hora mais cedo
para me apresentar ao meu novo chefe. Procedimentos de praxe, então eu ficaria
noite inteira protegida atrás do balcão do bar. Se me concentrasse apenas no
meu trabalho, não tinha como dar errado.
Assim, às onze da noite, estava eu, Sarah Williams, descendo
da táxi parado em frente à Prazeres Malditos, sinalizava um letreiro em neon
vermelho-sangue e em caligrafia estilizada. Uma longa fila se estendia na
calçada. Pessoas jovens, animadas, conversavam initerruptamente, chilreando
afoitas sobre o que esperavam ver. A maioria, mulheres.
Passei rápido por eles e cheguei à porta principal. Disse o
que Lilly me pedira, que era sobre a nova bartender, e o segurança altíssimo e
muito loiro me deixou entrar. Ao sorrir, eu vi que ele era um vampiro. Quase
corri, sem olhar para cima, até a escada que Lilly me indicara. Sempre de
cabeça baixa, segui até o patamar que não tinha nada, a não ser um pequeno sofá
de couro vermelho. Era a sala de espera. Lilly dissera que eu devia esperar até
que algum dos funcionários me chamasse. Foi o que fiz.
Sentei-me, pondo minha pequena bolsa sobre o colo. Era
preta,
combinando com minha blusa também preta, com renda e mangas compridas.
Vestia calças jeans, num tom acinzentado e sandálias de salto alto, prateadas.
O cabelo hermeticamente preso num penteado no alto da cabeça, cachos castanhos
caindo do prendedor brilhante.
Tirei um pequeno espelho da bolsa, meus dedos
trêmulos, e chequei a aparência. Meu rosto pequeno e oval trazia olhos
cor-de-mel assustados, ansiosos. Meus lábios cheios hoje ressaltados por um
batom cor-de-vinho, queriam pronunciar palavras de consolo para mim mesma, mas
não podiam. Minha pele, já pálida, parecia empalidecer mais ainda. Calma, estava
quase acabando. Era só nervosismo de iniciante.
Estava checando os pés sob as tiras prateadas quando ouvi
passos leves virem em minha direção. Hesitei. Não podia olhar diretamente para
eles. Continuei de cabeça baixa.
- Sarah Williams? – perguntou uma voz baixa e levemente
infantil.
- Sim? – eu disse, quase no mesmo tom.
- Siga-me. – disse a voz doce, e vi os pequenos pés voltarem
por onde vieram.
O ser que eu seguia, e que estava agora de costas, era quase
como uma criança. Estatura baixa, corpo curvilíneo e longos cabelos negros, na
altura da cintura. Vestia um vestido curto, vermelho, e sapatos pretos, de
salto. Ainda de salto, me parecia ainda bem baixa. Não se parecia com uma
vampira. Ela andava rápido e eu tentava acompanhá-la, os pezinhos mal
tocavam o chão.
De repente, ela virou para mim e parou à frente de uma porta
no longo corredor, à esquerda. Sem aviso, eu não conseguira desviar de seu
olhar. Meu coração perdeu um compasso. Mas logo voltou.
Ela não era uma vampira. O sorriso receptivo não tinha
presas, largo e cintilante. Seus olhos eram apenas olhos, escuros, mas sem
nenhuma magia sobrenatural. Suspirei aliviada. Mais uma humana.
- Só um momento. –
ela disse, batendo à porta.
Uma voz de mulher, algumas oitavas mais grave, séria, responder
de dentro da sala:
- Entre, Andrea. E Sarah.
Só por isso presumi que ali havia um vampiro. Engoli em
seco.
A garota chamada Andrea abriu a porta e abriu na passagem
para mim, ainda sorrindo. Não consegui ficar indiferente a seu rosto pacífico e
sorri também. Dei dois passos dentro da sala e a porta se fechou. Andrea fora
ficar ao lado da mesa à minha frente.
A mulher, ou vampira, que estava sentada à mesa,
levantara-se e fora ficar mais visível, se apoiando na borda da mesa, cruzando
os braços à frente do peito. Não me atrevi a olhar seu rosto. Meus olhos se
detiveram em seus pés. Só o que percebi era sua pele negra e brilhante num
vislumbre quando Andrea abriu a porta. O que eu via agora eram botas de salto,
bico fino e pretas, elegantes.
2
A voz disse, com certa hilaridade:
- Não precisa temer meu olhar, humana, não tenho
autorização para fazer-lhe mal algum. Por hoje. – senti que ela sorria, a voz
grave, suave, ficando profunda na última frase.
Hesitei.
- Ela disse a verdade. – falou a doce Andrea, de onde
estava.
Vagarosamente, fiz meu olhar encontrar o rosto da
vampira. Vi as calças pretas que ela vestia, presas dentro das botas até os
joelhos, então a blusa parecida com a minha, também preta, e também de mangas
compridas, mas com uma gola alta, que lhe dava um ar imponente. A gola
ressaltava o rosto esculpido dela: redondo de traços harmoniosos, lábios
cheios, dois tons mais escuros que a pele luzidia, olhos tão escuros quanto os
de Andrea e os cabelos em cachos caindo sobre os ombros, da cor dos olhos. Um
sorriso zombeteiro brincava nos lábios da criatura. Meu nervosismo a divertia.
- Vejo que aprende rápido, Sarah. Evitar olhos é algo que
você deverá fazer bastante por aqui. – e sorriu. Mas onde estavam as presas? Eu
não ia perguntar. – Meu nome é Khalled, me chamam de Khall. Sou supervisora
administrativa da Prazeres Malditos.
- Prazer em conhecê-la. Sou Sarah Williams. – eu disse,
timidamente. Mesmo sem querer me hipnotizar, não conseguia desviar os olhos do
rosto dela.
- Sim, eu já sabia. – disse Khall, outro sorriso,
divertido. – A sua amiga, Lilian Carmichael fez ótimas recomendações a seu
respeito. Lilian tem o apreço de Jean-Claude e se ele confiou nas palavras
dela, não me atrevo a discordar.
Ela descruzou os braços e colocou as mãos sobre a mesa.
- O que tenho a fazer são apenas recomendações básicas. –
começou a vampira – Em breve, você conhecerá Robert. Ele é o atual gerente
efetivo do estabelecimento. Ele supervisiona o funcionamento geral. A mim,
cabem as questões mais específicas... E burocráticas. Franzi a testa para ela.
Khall permanecia de pé me observando.
- A Prazeres Malditos não costuma contratar humanos,
Sarah. Mas ultimamente acreditamos que pode ser uma boa experiência. Para ambas
as partes – seu tom ficou sério de repente – Creio que conheça os
procedimentos.
- Sim, conheço. – respondi, também séria.
- Mas é sempre bom relembrar. – Khall começou a me
rondar, enumerando os tópicos. – Um: jamais olhe diretamente nos olhos de um
vampiro. Eu sou a única que pode encará-la impunemente. Alguns deles aqui
minariam qualquer determinação. Dois: permaneça no seu perímetro. No seu caso,
ele corresponde ao bar e a área das mesas. Qualquer centímetro além disso lhe
acarretaria problemas. Você não quer ter problemas conosco, não é, Sarah? – ela
baixou aqueles olhos brilhantes para mim.
Encarei-a firmemente.
- De forma nenhuma.
Khall sorriu, satisfeita.
- Três: evite acidentes, e por acidentes, quero dizer
cortes. Sangue neste estabelecimento pode causar infortúnios. Perguntas?
- Ah... – comecei – Você disse que eu poderia encará-la
porque Jean-Claude lhe permite. Isso não deveria se estender aos outros
vampiros, já que, pelo que sei, vocês teriam problemas atacando humanos
não-voluntários?
Khall semicerrou os olhos, suspirou.
- Pergunta pertinente. Não é que meus olhos vão afetá-la.
Sou de uma espécie diferente. Mas há outras formas de machuca-la disponíveis
para mim. Jean-Claude e os demais tem olhos naturalmente envoltos em hipnose.
Claro que podem controlar, mas aqui, Sarah, eles precisam estar alertas.
Qualquer um é vítima se não tomar cuidado. Você sabe que a Prazeres Malditos
busca doadores voluntários. Essa é uma forma de conseguir isso. – ela baixou a
voz - Se lhe serve de consolo, eu mesma não olho nos olhos de Jean-Claude.
- Não sei bem como isso seria um consolo... Mas obrigada
por responder. – eu disse, incerta.
– Alguma outra pergunta sobre Jean-Claude?
- Acho que não...
- Ótimo. – ela sorriu largamente. - Por que chegou a hora
de você conhecê-lo.
Um calafrio percorreu meu corpo. Mas me mantive firme,
olhando Khall mover-se com fluidez até a porta e abri-la.
- Vamos? – perguntou.
- Claro. – virei-me para ela. Andrea veio ao meu encontro
e saímos, Andrea fechando a porta atrás de si.
Não precisamos andar muito. A sala de Jean-Claude era
logo em frente. Eu não sabia se eu estava preparada para isso.
- Sarah, você deve sempre estar preparada. – disse Khall,
me sobressaltando. Ela estava lendo minha mente?
Khall virou-se para nós à frente da porta fechada.
- Andrea, querida, você não devia estar checando a lista
dos dançarinos para saber se todos estarão aqui a tempo? – sua voz era tão doce
quanto poderia ser, mas havia algo implícito sob tanta doçura.
Andrea abriu a boca como se fosse protestar, mas suspirou
e respondeu:
- Já estou indo – e sorriu para mim – Até mais, Sarah! –
e saiu, muito rapidamente.
- Até mais. – eu disse, mas ela já estava virando o canto
do corredor.
Khall continuava me olhando e balançou a cabeça.
- Ela se distrai de vez em quando.
Eu não disse nada.
Khall virou-se e bateu duas vezes na porta. Paralisei. O
som que veio de dentro da sala era a melhor coisa que eu já ouvira. Só alguns
segundos depois discerni que o som era uma voz, e que formara palavras:
- Entre, Khalled. E mademoiselle Williams.
As palavras faziam pouco sentido em minha cabeça. Ninguém
me chamara de “mademoiselle” antes. Aquilo me despertou, e em tempo. A porta se
abrira e meu primeiro reflexo foi olhar para o chão, discretamente. As botas de
grife de Khall eram uma boa distração. Olhando levemente para o rosto dela,
percebi que ela não olhava para nenhum lugar em particular. Mirava um enorme
quadro que havia na parede.
- Jean-Claude, eu a trouxe aqui, como me pediu.
Ouvi um som parecido com uma risada abafada. Supus ter
vindo dele:
- Naturalmente – disse a voz – Sente-se, mademoiselle –
vi uma mão pálida indicar a cadeira à minha frente.
Sentei-me.
3
Agora eu olhava para o tampo da mesa de mogno escuro,
alguns papéis sobre ela e uma caneta-tinteiro, de aspecto antigo. Meus olhos
subiram alguns centímetros e depararam-se com a parte da frente de uma camisa fina
de seda, botões de madrepérola subindo até o pescoço, supus. Rendas e mais
rendas por toda parte. As mãos pálidas cruzaram-se levemente sobre a mesa, os
dedos quase encobertos até as pontas por rendas delicadas.
Khall fora sentar-se num sofá de couro preto, muito à
vontade, que ficava logo abaixo do quadro que estivera observando. As pernas
cruzadas e um ar de tédio no rosto. Voltei a olhar para a madeira polida e
envernizada da mesa.
- É um prazer finalmente conhece-la, srta. Williams –
aquilo não era real. Nenhuma voz era tão perfeita assim. Cada palavra
pronunciada como uma promessa, como se ganhassem vida. – Lilian me falou muito
bem de você.
- Ah, obrigada... – foi o que consegui dizer vagamente.
Minha voz ofendia aquela que rondava pela sala.
- Esta noite será seu teste como bartender. Quero
conhecer seus... dons artísticos com a bebida – por mais que eu não visse o
rosto, eu sabia que ele me olhava, pois sentia o peso de seu olhar sobre mim. –
Todavia, possui o necessário para chamar a atenção dos clientes... É graciosa,
se move com elegância e é encantadoramente bela. – outra risada abafada. Quase
pulei na cadeira quando ele levantou-se e foi em direção a Khall.
- Ma cher, você
poderia apresentar o local de trabalho à adorável mademoseille Williams? –
pediu, eu não ouvia mais nada a não ser aquela voz suave.
Quando dei por mim, senti um toque gélido em meu ombro.
Tremi. Era Jean-Claude. E foi a vez dele de rir.
- Você tem pensamentos interessantes, Sarah, se me
permite... – disse, quase um sussurro. Parei de respirar.
- Eu me esforço. – consegui dizer e tremi outra vez
quando seus dedos deslizaram do meu ombro até o pescoço. Eu mesma senti a veia
latejar sob os dedos dele.
Fechei os olhos. Não era real, não era real.
- Vá, Sarah, você tem uma longa noite pela frente – disse
Jean-Claude. Eu continuei de olhos fechados. – Boa sorte.
Ele continuava me observando. Que ótimo Esforcei-me para
abrir os olhos e o que eu vi foram botas bem desenhadas e de couro negro,
passos que andavam delicadamente, mas ao mesmo tempo, firmes. Meus olhos
seguiram o desenho das botas e logo vi as pernas em calças de couro, mas desviei
o olhar. O que eu estava fazendo? Levantei abruptamente:
- Foi um prazer. – eu disse, de uma vez.
- Que se repetirá, espero. – ele disse, indo sentar-se à
mesa outra vez retomando a caneta – Bem-vinda à Prazeres Malditos. – eu tinha certeza que ele sorria.
Fora da sala de Jean-Claude, senti-me calma. Ou mais
calma. Deixei que Khall me guiasse pelos escuros corredores e escadas até o
andar de baixo. Ela não disse nada durante o caminho. Eu também permaneci em
silêncio.
Comecei a ouvir uma música dançante e a luz ainda era
clara. Estavam preparando o show da noite.
Paramos ao chegarmos ao balcão do bar. Era um belo bar, a
propósito, todo em preto, mármore e vidro. Os bancos eram de aço.
Nas
prateleiras, todo tipo de bebida existente, talvez, e eu já podia visualizar
milhares de drinques para fazer com elas. Agora eu me sentia em casa.
O bar ficava no lado oposto do palco, logo em frente. A
poucos passos para a esquerda estava o pequeno hall de entrada, onde se deixava
artefatos de prata ou sagrados. Não se entrava ali portando ameaças ao
vampiros. As mesas à frente eram todas em alguma combinação de vermelho, preto
e prata.
Agradável, para dizer o mínimo.
A minha única preocupação era: como evitar olhar para o
palco? Sim, por que vozes eu podia evitar – trouxera um fone de ouvido daqueles
que usamos em avião. Eu era boa em ler
lábios por trabalhar havia um tempo em casas noturnas, onde a música é sempre
muito alta e se ouve pouco do que as pessoas falam. Mas meus olhos... Percebi
que estavam muito vulneráveis ao palco.
Khall me acordou dos meus devaneios com sua voz profunda:
- Bem, você ficará aqui pelo próximo mês – ela suspirou
outra vez –
Está encaminhada. Familiarize-se com seu local de trabalho. – e já
ia sair quando eu a chamei:
- Khalled!
Ela virou-se para mim, uma sobrancelha erguida. Apoiei-me
no balcão.
- Eu estou segura aqui, sabe, do palco... Não estou? –
perguntei, incerta.
Ela observou meu rosto por alguns segundos e disse,
divertindo-se:
- Sarah, o quão segura você estará esta noite depende
muito de você. Sabe, por aqui os vampiros não fazem nada que você não queira...
Ou que não peça.
Franzi a testa. Do que ela estava falando?
-Não se preocupe, se estiver concentrada nos drinques não
precisará sequer olhar para o palco.
Eu duvidava muito disso, mas Khall não me parecia alguém
com quem devesse argumentar. Ela virou-se e foi galgando escada acima, de volta
a seus afazeres. Eu tinha que começar os meus.
Dei a volta no balcão e entrei no bar. Pus minha bolsa
numa prateleira sob ele. Para minha surpresa, havia ali um elegante colete de
cetim vermelho com botões de pedras brilhantes. No lado esquerdo do peito, uma
plaquetinha retangular com meu nome escrito nele. Sorri. Era trés chic. Vesti o colete, abotoei e,
surpresa, cabia perfeitamente em mim. Pus meus fones. Não vedava 100% o som,
mas 95% eu já não ouvia. Senti um frio no estômago. As luzes começaram a
diminuir, outras entravam em ação. Uma penumbra avermelhada tomou conta do
lugar. Havia um microfone sobre o palco. As cortinas foram fechando
misteriosamente. A música ficou mais alta e contagiante. Eu sentia os graves
fazerem o balcão tremer um pouco. O primeiro grupo começou a entrar.
Show-time.
4
As mesas estavam lotadas. Eu podia ver a animação das
pessoas. Os primeiros drinques da noite haviam sido simples. Os clientes
pareciam satisfeitos.
Até que tudo tornou-se uma escuridão total.
Momentaneamente, assustei-me. Mas então, um dos holofotes focou sua luz
azulada, como a luz da lua, sobre o centro do palco. As cortinas se abiram.
Eu não ia olhar.
Comecei a arrumar os canudos decorados no recipiente por
cor e tamanho. Mas algo me chamou a atenção. No palco, não era um dançarino.
Mesmo estando a uma distância segura do palco e o foco sendo nas pessoas das
mesas, mesmo me sentindo a salvo, não queria arriscar. Mas os olhos dele
estariam tão longe de mim... Voltei o olhar curioso para o palco.
Ali estava um homem alto e pálido. Vestia camisa branca
com rendas, botas e calças justas. Parecia ter sido enviado do século XVII para
a Prazeres Malditos. Ele tinha cabelos na altura dos ombros, escuros, pareciam
cacheados, e o rosto que eles emolduravam, mesmo daquela distância, era o mais
bonito que eu já vira.
E então, ele aproximou-se do microfone e vi seus lábios
abrirem-se num sorriso que transbordava malícia. Eu não via as presas, mas
apostava que estavam ali. Era de tirar o fôlego. Mas agora eu ouvia a voz. A voz daquela sala no andar
superior, a voz que inundava minha mente. Era ele. Jean-Claude.
Estava errado, eu não devia ouvir aquela voz. Eu estava
usando fones. Mas eu ouvia claramente cada palavra, cada som que vinha daqueles
lábios. Senti um desespero momentâneo. Isso não devia
acontecer. Meus olhos não deixavam o palco.
As palavras se misturavam em minha mente, como ecos
distantes. Só o que percebi era que ele introduzia a primeira apresentação da
noite, e falava outras coisas que não podia discernir. Ouvia como se ele
estivesse ao meu lado, mas as palavras exatas estavam turvas em minha mente. Só
conseguia pensar em rastejar até o palco e pedir que ele sussurrasse só para
mim. A sensação era maravilhosa – e minha visão ia ficando cada vez mais focada
nele, e só nele. E era apenas sua voz.
Senti minhas mãos escorregarem pelo balcão, antebraços,
eu estava quase subindo na superfície marmórea e rastejando para chegar até o
palco. Gemi, em desespero. Eu queria tocá-lo, sentir o cheiro, o gosto...
Dor. Muita dor. Colidi com o chão, de costas. Não vi nada
por um tempo. Meu rosto ardia do lado esquerdo.
Eu levara um tapa fortíssimo.
Luzes piscavam agora e a escuridão diminuía à medida que
eu piscava. Quando minha visão entrou em foco, vi olhos escuros me encarando. O
rosto a que pertenciam era alvo, e trazia uma expressão preocupada. Cabelos
cheios, cacheados caíam para frente. Era uma mulher.
- Como se sente? – perguntou, uma voz branda.
Respirei fundo, olhei em volta. Me sentia atordoada.
Então senti raiva.
- Por que diabos você me bateu? – quase gritei.
Ela suspirou.
- Dor ajuda a impedir a hipnose. – ela segurava meus
fones na mão direita – Você tirou e nem percebeu. Aliás, fones não vão protegê-la
dele – ela olhou por cima do ombro para o palco – Droga.
- E quem é você afinal?
- Sou Anita Blake. E você deve ser Sarah.
- Como sabe?
- O crachá no seu coletinho chique.
Nos encaramos. Ela me ajudou a sentar no chão.
Continuávamos escondidas.
- Como você veio parar aqui? – perguntou ela. Eu agora a
via melhor. Vestia calças jeans, tênis e uma camiseta polo vermelho-escuro.
- Eu trabalho aqui. – respondi.
- Desde quando?
- Hoje...?
Ela balançou a cabeça.
- Você tem que sair daqui. Eles vão torna-la no próximo
jantar.
- O quê?
Ela suspirou outra vez.
- Não acredito – ela fechou os olhos.
- Anita Blake. – ouvi a voz de Khalled sobre o balcão –
Ora se não é a boa samaritana dos humanos – ela falava com desdém.
Anita riu, levantando-se.
- Como vai, Khalled? E antes que você comece, é melhor
irmos lá para cima – ela olhou para a plateia que estava embevecida, vendo um
vampiro que eu não conhecia se exibindo no palco. – Você não vai querer espantar
a clientela, não é?
Khall olhou-a com um desprezo latente. Simplesmente
virou-se e foi em direção à escada. Anita virou-se, por sua vez, para mim e
ofereceu uma mão para me ajudar a levantar. Hesitei por um momento. Mas peguei sua mão pequena e
firme.
- É melhor você vir também.
- Mas e o bar? – perguntei.
Ela riu, olhando de esguelha para o palco.
- Confie em mim, beber é a última coisa que eles vão
querer agora.
Não pude deixar de rir um pouco.
Segui a mulher chamada Anita Blake, que ia logo atrás da
vampira, subindo as escadas. Então era ela a quem chamavam de A Executora, quem
escrevera aquele artigo sobre os vampiros. Não havia nenhuma foto dela no
jornal. Engraçado, quando ouvira falar dela, imaginava alguém mais alto. Bem,
ela era pelo menos um palmo mais baixa que eu. Todavia, seu andar e sua postura
e, principalmente, seu olhar impunham firmeza e seriedade.
O mais curioso é que ela não se preocupava em olhar para
baixo. Talvez por que ela já conhecesse Khall, supus. Bem, ela era expert em
vampiros. Devia saber o que estava fazendo.
Chegamos à sala e Anita foi ficar de pé no meio da sala
de Khall, os braços cruzados, o peso apoiado na perna esquerda. Pensei ter
visto uma arma em sua cintura, sob a blusa. Talvez fosse isso mesmo.
Eu me resignara a sentar no sofá da sala da vampira. Esta
estava de pé na mesma posição em que eu a vira pela primeira vez, uma expressão
impaciente no rosto. Anita a olhava como se algo em sua aparência fosse
particularmente curioso. Não parecia muito paciente, tampouco, mas procurava
não transparecer. Como se isso a fizesse superior à vampira.
Aquele era um páreo duro.
Eu não sabia porque eu estava ali, nem se estava
encrencada, então não falei nada até ser consultada.
- Por que agrediu uma funcionária, Blake? - Khall
perguntou num tom ferino.
Anita riu e suspirou.
- Agredi? Imagine então o que seria dela se não tivesse “agredido”.
- Responda. – era uma ordem.
Anita olhou para o teto.
- Eu a impedi de ser hipnotizada por Jean-Claude.
- Causando dor a ela?
- Claro. É minha tática para algumas situações. Ops, era
segredo. Funcionou, ou não? – ela virou para mim.
Comecei a abrir a boca, mas Khalled me interrompeu.
- O que acontece ou deixa de acontecer na Prazeres
Malditos é responsabilidade nossa, você não deveria nem estar aqui.
- Aposto que na descrição do emprego não estava “virar
comida de vampiro”. Se ela quisesse isso, teria ido à Igreja da Glória Eterna.
Já terminou? Tenho um compromisso, se não se importa.
Khall semicerrou os olhos para ela. Anita apertou os
lábios. Olhou para o chão e de volta a Khall. Depois disse:
- Olha, eu só achei errado. Ela não devia estar tão perto
do palco no primeiro dia. E você, Khalled, sabe disso.
- Foi um acidente. Eu apenas obedeço as ordens de
Jean-Claude. O que se pode fazer é garantir que Sarah terá mais cautela a
partir de hoje. Ela realmente estava suscetível aos encantos de nossas...
atrações. Mas você, Blake – ela cuspiu a palavra – pare de agir como se
pertencesse a este lugar. Não importa o que Jean-Claude pense, para mim você é
apenas uma humana prepotente.
- Que ótimo, não quero perder meu tempo tentando fazê-la
mudar de opinião. – ela olhou o relógio – Tenho uma reanimação às três da
manhã. Preste mais atenção, eu tenho meios de saber quando as coisas vão mal
por aqui.
- Ah, sim, uma fonte como Jean-Claude é um meio e tanto.
Anita suspirou. Sua paciência não duraria muito.
- Cuide-se, Khalled. – e começou a ir para a porta.
Khall sorriu perigosamente. Anita veio em minha direção.
- Tem certeza que quer continuar aqui, Sarah? – ela perguntou,
inclinando-se para mim, olhando para Khall de esguelha.
Agora que ela perguntava, pensei por um momento. Tudo
estaria bem se eu não me atrevesse a olhar para o palco. Meu rosto ainda ardia
onde a mão forte de Anita me acertara. Se eu queria mesmo essa chance, queria
aproveitar a oportunidade – e me esforçar para que valesse a pena. O tapa me
faria lembrar disso.
- Anita, eu agradeço o que fez, mas você só precisou
intervir por que eu quebrei uma regra.
Ela ficou me olhando.
- Isso exige mais do que força de vontade, Sarah.
Exige...
- ... Determinação, força, eu sei. Li seu artigo no Post-Dispatch – completei.
Anita sorriu.
- Boa garota. – admitiu – Mas acho que só o tempo vai
ensiná-la melhor. Só não deixe que sejam experiências ruins... Demais.
- Eu entendo.
Ela franziu a testa.
- Você conheceu Andrea, a assistente de Khalled.
Fiz que sim com a cabeça.
- Ela é uma boa garota. Mas sempre há riscos. Só que ela
está aqui por que quer. Ela me disse isso. – Anita baixou a voz e ouvi Khall
suspirar, impaciente. – Vampiros são criaturas muito perigosas justamente por
que não parecem perigosas. Uma vez que você se envolve, está exposto a isso.
Depende de você.
Fiquei sem silêncio.
- Fique atenta – ela encerrou.
- Vou ficar – confirmei.
Ela me deu um tapinha no ombro.
- Ele está indo para a sala dele, Anita – Khall disse.
Anita virou-se.
- Tenha uma boa noite, petite. – acrescentou a vampira maldosamente, mas Anita ignorou.
- Não tem o mesmo efeito quando é você que diz, Khalled.-
ela disse, por fim, e fechou a porta atrás de si.
Khall fez um muxoxo aborrecido e voltou sua atenção para
mim. Engoli em seco.
- Que bom admitir que cometeu um erro. – começou, vindo
para mais perto. – Isso é importante. E sei que não vai se repetir.
- Não mesmo. – assegurei.
- Você pode aprender muito aqui, Sarah. Se der os passos
certos.
Fiquei fitando meu colo.
- Curioso – comentei – A Executora vir até aqui.
- Realmente. Deveras. Como eu disse, ela é apenas
prepotente. Tudo porque goza da afeição de Jean-
Claude. – ela riu.
- Eles não...? Sabe, estão... – comecei, desconfiada.
- Sabe Sarah, essa é uma dúvida que eu prefiro ter. Você
devia fazer o mesmo. – disse ela, encerrando a conversa.
Mordi o lábio. Acho que podia me acostumar com esse
pequeno universo misterioso.
- Vou pedir a Andrea que lhe acompanhe por essa semana.
Ela pode lhe ensinar algumas coisas. E acho melhor você voltar agora. Eu mesma
detesto ficar tão perto da sala de Jean-Claude.
Permiti-me rir baixo.
- Você ouve tudo, não é?
- Sim. E o pior: sinto cheiros. – ela engoliu em seco – Bem,
vamos logo.
***
No decorrer da noite, compartilhei da presença de Andrea,
que era muito agradável, por sinal. Ela era falante e parecia conhecer cada
dançarino muito bem.
Percebi que Jean-Claude não voltara mais ao palco. Devia
haver muitos assuntos pendentes entre os dois.
No meio da conversa, ouvi uma voz familiar:
- Quero um coquetel de morango, por favor?
Virei e vi minha amiga Lilly, sorridente, num vestido de
cetim rosa, ressaltando os cabelos loiros. Seus olhos acinzentados pareciam
brilhar ainda mais soba luz dos holofotes.
- Lilly! – dei a volta para abraçá-la.
Ela disse, contente:
- Que bom que está tudo correndo bem! Ouvi muitos elogios
aos seus drinques.
Nos separamos e ela sentou-se ao lado de Andrea, à frente
do balcão. As duas se cumprimentaram. Ela me fez prometer que contaria todos os
detalhes do primeiro dia assim que fôssemos para casa. Que conversa para se ter
de madrugada. Mas eu provavelmente demoraria para dormir. Eu sei que pensaria
por algum tempo sobre Khalled, Jean-Claude, Anita e a Prazeres Malditos naquele
dia.
O que mais me aguardava sendo a nova bartender do lugar?
Eu estava ansiosa para descobrir. Até lá, ia continuar tomando cuidado para não
cair em outro truque vampiro – não por acidente.
A noite era longa e ainda havia muitos drinques a preparar.
A madrugada no clube dos vampiros.
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